Hoje tive a oportunidade de assistir ao filme "Ensaio sobre a cegueira", dirigido por Fernando Meirelles, baseado no livro homônimo do Nobel de literatura José Saramago, em sua curtíssima passagem pelo cinema aqui em São José dos Campos.
O filme não teve o sucesso esperado no exterior, principalmente nos Estados Unidos, em parte por conta da dureza da história apocalíptica e caótica, e em parte por ter sido rechaçado por associações de cegos que viram preconceito no filme (o que não ocorre, uma vez que a cegueira é usada como metáfora para criticar a sociedade atual).
Análise do filme "Ensaio sobre a cegueira" (2008)
ATENÇÃO - Esse post contém spoilers!
Tudo começa em um semáforo: A luz verde acende mas um carro fica parado estorvando o trânsito. É o momento em que o primeiro personagem do filme descobre estar contaminado com a "cegueira branca".
Em seguida outras pessoas que tiveram contato com ele começam a ficar infectados com a epidemia. Incluindo sua esposa, um ladrão que rouba seu carro, um médico (Mark Ruffalo) que o trata. Sem saber como conter a epidemia, o governo da cidade fictícia os manda para um antigo hospício, onde ficam encarcerados e cegos como forma de tentar conter a doença.
Somente uma pessoa não é afetada pela cegueira coletiva: a esposa do médico (Juliane Moore). Ela serve como alegoria das pessoas que, mesmo com toda o disfarce criado pelos governantes e grandes corporações, conseguem enxergar o que realmente acontece, a dinâmica que controla a sociedade.
Em meio ao caos do hospício, surge o personagem de Gael García Bernal, que se proclama rei da ala 3 e inicia um período de terror dentro do hospício. Cobrando jóias, dinheiro e até mesmo favores sexuais das mulheres para garantir comida a todos, sempre utilizando sua arma para garantir que todos sigam suas ordens.
O preconceito existente na sociedade, perdura mesmo com todos vivenciando aquele momento de crise. Isso fica explícito na cena em que um personagem afirma que o rei que os rouba é negro. Na verdade o negro é quem o está ajudando a atravessar toda a ala enquanto o "vilão" é branco.
A cena em que as mulheres são estupradas na ala 3 em troca de comida é revoltante...você realmente sente a dor das mulheres pelo clima sombrio e carregado na tela do cinema. O incômodo causado pela cena faz com que a pessoa se contorça na cadeira, tamanha a realidade expressa de forma subjetiva, mas marcante.
A brutalidade da cena do estupro contrasta com a sutileza da cena de amor entre o médico e a protituta (Alice Braga). Ao contrário da cena escura, carregada, apesar da cegueira de ambos a cena é clara e tranquila, mesmo quando a esposa do médico os flagra fazendo amor, entende a ligação de ambos e até revela seu segredo a prostituta.
Quando a mulher do médico assassina o rei da ala 3 e dirige a revolta que os liberta do hospício o que vemos é ainda mais deprimente: milhares, milhões de pessoas cegas lutando pela sobrevivência em uma cidade marcada pelo caos.
O papel solitário da mulher do médico nos abre uma série de questionamentos. Afinal ela fica responsável por todo um hospício cheio de cegos e é a única a enxergar, ou será que ela era a cega entre pessoas que enxergavam perfeitamente?
Nota: 9/10